domingo, 10 de julho de 2011

Autor de denúncias contra a Fifa, lorde Triesman fala com exclusividade ao LANCENET!

fonte: Lancenet
Daniel Leal, Joana Bueno e Rodrigo Cerqueira
Publicada em 10/07/2011 às 08:53

Entre os muitos escândalos de corrupção na Fifa que estouraram recentemente, um deles chamou a atenção por ter sido denunciado por um político inglês renomado, e não por repórteres investigativos.

Em maio deste ano, protegido por imunidade parlamentar, lorde David Triesman chocou o mundo do futebol ao acusar quatro membros da Fifa de comportamento “impróprio e não ético” ao pedirem favores ou dinheiro em troca de seus votos na polêmica eleição para as sedes das Copas do Mundo de 2018 e 2022.

Por e-mail, o LANCENET! conversou com o ex-presidente da Federação Inglesa, que afirmou que sempre soube que a Rússia levaria a Copa de 2018 e não poupou críticas à entidade que comandou e à Fifa, mas disse ainda acreditar em uma profunda mudança na governança do futebol mundial, mesmo que isso dependa da pressão de patrocinadores.

Joana Bueno - Antes das primeiras denúncias de corrupção na Fifa, feitas pelo jornal inglês “Sunday Times”, em outubro do ano passado, qual eram as expectativas do Comitê de Candidatura Inglaterra-2018 quanto à eleição dos países sede das Copas?

Lorde Triesman - A equipe estava muito confiante, apesar de expressar ansiedade quanto ao “Sunday Times” ao falar com outros veículos. Minha visão pessoal à época, já fora da equipe, era de que os Mundiais iriam para a Rússia (já pensava assim há muitos meses) e o Qatar.

JB - O senhor acredita que as reportagens do “Sunday Times” prejudicaram a candidatura inglesa? Foi por isso que a Inglaterra só recebeu dois votos?

LT - Conhecendo a Fifa, acredito que eles reagiram mal. No entanto, eu disse à época que não haveria possibilidade de uma imprensa livre, em uma democracia, onde jornalistas fizeram um sério trabalho de investigação, se calar diante de corrupção. Pessoalmente, acho que àquela altura a Rússia ganharia com ou sem as reportagens do “Sunday Times”, mas eu aplaudo a séria qualidade de seu jornalismo.

Rodrigo Cerqueira - Como a Inglaterra se sentiu após a derrota na eleição para sede da Copa 2018?

LT - Muita decepcionada. Há um grande amor pelo futebol na Inglaterra. O presidente Lula, um líder internacional excepcional, sempre foi o primeiro a reconhecer isso. Isso não dá a ninguém o direito de esperar uma vitória, mas deixou as pessoas muito decepcionadas em perder e perder tão mal.

Daniel Leal - O senhor acredita que, se a Inglaterra tivesse sido eleita sede da Copa 2018, a Federação Inglesa (FA) ainda estaria pressionando a Fifa por reformas?

LT - Não sei. Mesmo se tivéssemos ganho, haveria várias outras pessoas sérias na Inglaterra pressionando por reforma. Se eu ainda estivesse na FA, eu certamente teria pressionado por reformas e todo mundo sabe disso.

Em depoimento ao Comitê de Cultura, Mídia e Esporte do Parlamento britânico, Triesman, protegido por imunidade parlamentar, denunciou quatro membros da Fifa por "comportamento inadequado e não ético" e soltou o verbo contra a entidade e o processo de escolha das sedes da Copa.

Sobre RicardoTeixeira

“Eu disse que estava ansioso para ir ao Brasil, falar sobre a nossa candidatura, e eu estava pessoalmente encantado com a boa recepção do presidente Lula. O sr. Teixeira me disse: “Lula não é nada. Venha me dizer o que você tem para mim”. Achei uma maneira chocante e surpreendente e de colocar as coisas.”

Corrupção na Fifa

"É difícil saber em que rumores acreditar ou não, mas havia um grande numero de rumores desse tipo.”

Sua reação aos pedidos de suborno

“A questão não foi abordada (em conversas com a Fifa), porque acabaríamos com nossas chances na Copa muito cedo. Provavelmente uma desvantagem não muito diferente da que acabamos tendo no fim das contas.”

A briga entre a federação inglesa e a Fifa

“A resposta (da Fifa, às reportagens do “Sunday Times”) foi imediata de que, se nós, a Inglaterra, incluindo a nossa mídia, não nos comportássemos, não receberíamos nenhum apoio.”

A candidatura inglesa a sediar a Copa 2018

“Fomo incentivados a nos candidatar por Jéome Valcke (secretário-geral da Fifa). Se soubéssemos que a orientação era de ampliar o mercado do futebol, teria aconselhado não nos candidatarmos.”

JB - Por que a Inglaterra não teve muito apoio das outras federações nacionais quando tentaram adiar a eleição presidencial da Fifa?

LT - A FA não tinha um círculo de alianças muito forte e fizera muito pouco na Fifa durante muitos anos para conquistar amigos, ajudar em competições e outras coisas. Uma manobra dessas precisa de uma preparação muito cautelosa. E, francamente, muitas pessoas no Congresso dependem da boa vontade da Fifa e ajuda financeira para aderir a qualquer tipo de prática democrática adequada. Os argumentos feitos por David Bernstein (atual presidente da FA) eram, no entanto, corretos.

JB - O senhor acredita que a pressão da FA por reformas na Fifa pode ter um resultado efetivo?

LT - Não. Será preciso muito mais do que isso. Mais importante, quando os patrocinadores internacionais - os líderes mundiais, grandes marcas – considerarem se é do interesse deles estar intimamente associado à Fifa e seu estilo de trabalho, então pode haver uma pressão significativa por reforma. Se a cultura será reformada, será preciso uma mudança completa na geração liderando a organização. Obviamente, há algumas pessoas boas e totalmente honestas na organização da Fifa, incluindo na geração mais antiga, mas é muito difícil promover mudanças culturais profundas, e é preciso uma mudança fundamental.

JB - O senhor acredita que a Fifa precisa de uma reforma? E acredita que a Fifa será reformada?

LT - É claro que a Fifa precisa de reforma. Ela não se reformará sozinha sem pressão externa. Ela nunca fez isso, e os acontecimentos recentes com, por exemplo, o Sr. Jack Warner, mostram que ela não consegue se reformar sozinha ou adotar padrões éticos modernos.

JB - O que o senhor acredita que precisa ser mudado na Fifa?

LT - Há numerosas mudanças organizacionais que precisam ser feitas, mas eles não terão sucesso se a cultura não mudar. Uma cultura ruim sempre derrotará uma mudança organizacional. Sempre, e em qualquer organização.

DL - O senhor acredita que os governos nacionais deveriam ter mais voz em assuntos relativos à Fifa e outras organizações esportivas?

LT - Não. Eu apoio uma legislação esportiva geral, dando autoridade adequada às federações nacionais de futebol, mas, uma vez que uma legislação desse tipo for promulgada, os governos não deveriam interferir, a não ser que as federações nacionais falhem em suas responsabilidades. Diversos países têm legislações desse tipo e são provavelmente os mais bem administrados. Eles não violaram os estatutos da Fifa com intervenção política.

DL - O senhor está familiarizado com a coalizão do Sr. Damian Collins, que também é membro do Parlamento britânico, está tentando formar, com o objetivo de pressionar a Fifa a se reformar? Qual é a sua opinião a respeito?

LT - Estou sim e apoio intensamente suas propostas. Ele tem um grande senso de ética e uma visão democrática de responsabilidades neste esporte e no mundo moderno.

RC e JB - Qual é a sua opinião sobre o Ricardo Teixeira? O senhor acredita que ele é o homem certo para estar à frente do Comitê Organizador da Copa 2014?

LT - Isso é claramente uma questão para as autoridades do futebol no Brasil. Não gostaria de comentar. Como antigo ministro britânico para as Américas do Sul e Central, eu sei que o governo do Brasil gostaria de estabelecer padrões de excelência. Então essa é uma decisão completamente brasileira.

Conheça os quatro membros da Fifa acusados por lorde Triesman no Parlamento

Ricardo Teixeira - presidente da CBF e membro do Comitê Executivo da Fifa.

Em um encontro após vitória do Brasil sobre a Inglaterra em partida amistosa, Triesman teria dito que gostaria de encontrar o então presidente Lula, ao que Teixeira teria respondido: "Lula não é nada. Venha e me diga o que você tem para mim".

Jack Warner - à época, presidente da Concacaf e vice-presidente da Fifa

Teria pedido cerca de R$ 6,6 milhões para construir um centro educacional em Trinidad e Tobago e afirmou que seria responsável por receber a quantia pessoalmente. Também teria pedido mais R$ 1,3 milhão para comprar os direitos de transmissão da Copa 2010 para o Haiti, após o país ser atingido por um terremoto e não ter verba para garantir a transmissão da competição por conta própria.

Nicolás Leoz - presidente da Conmebol e membro do Comitê Executivo da Fifa

Teria pleiteado um título de Cavalheiro. "Eu disse que isso era completamente impossível, que não operávamos dessa maneira no Reino Unido. Leoó balançou os ombros, virou e foi embora." disse Triesman em seu depoimento na Câmara inglesa.

Worawi Makudi - secretário-geral da Federação de Futebol da Tailândia e membro do Comitê Executivo da Fifa

Teria requisitado os direitos de transmissão para um amistoso entre as seleções de Inglaterra e Tailândia.

RC - O Brasil está vivendo uma época turbulenta, com muitos atrasos nas obras de estádio e infraestrutura para sediar a Copa do Mundo, além de orçamentos superfaturados, que não param de subir. O senhor está acompanhando a preparação do Brasil para sediar a Copa de 2014?

LT - Eu acompanhei as preparações como torcedor de futebol e estou ciente das dificuldades. Espero profundamente que tudo possa ser resolvido, pois te digo, da minha experiência como ministro responsável pelas relações com as Américas do Sul e Central, eu realmente amo o Brasil. Só desejo sucesso ao Brasil. Minhas relações de trabalho com muitos ministros do presidente Lula sempre estiveram entre as mais frutíferas e agradáveis. Eu estive intensamente envolvido com a grande visita estatal do presidente Lula a Londres e em vários acordos feitos entre nossos países. Então, espero que as autoridades do futebol possam entregar o sucesso que o povo brasileiro merece. Tenho certeza de que o governo está observando isso cuidadosamente.

RC - O senhor acredita que o Brasil pode entregar uma grande Copa do Mundo em 2014?

LT - O Brasil certamente pode entregar uma grande Copa do Mundo. O país têm credenciais futebolísticas incríveis. Nos mais altos níveis de governo, o Brasil vai querer que tudo seja entregue sem qualquer tipo de controvérsia que agora vemos nas decisões da Fifa sobre as Copas de 2018 e 2022. Pode ser desafiador, mas certamente valerá o esforço.

Saiba mais sobre o autor das denúncias contra os membros da Fifa

Torcedor do Tottenham, lorde David Triesman começou sua carreira política aos 17 anos, quando se filiou pela primeira vez ao Partido Trabalhista britânico. Depois de uma carreira como líder sindical, fez parte do governo do primeiro-ministro Tony Blair no final dos anos 1990 e início dos anos 2000.

Assumiu a presidência da FA (Federação Inglesa de Futebol) em janeiro de 2008, se tornando o primeiro "presidente indapendente" da entidade, ou seja, sem qualquer ligação anterior com o futebol. Ocupou o cargo até maio de 2010, quando foram divulgadas gravações em que ele afirmava que a Espanha poderia abandonar a candidatura para sediar a Copa de 2018 se a Rússia, que também estava no páreo, a ajudasse a subornar árbitros na Copa de 2010. Na ocasião, deixou também a liderança do Comitê de Candidatura Inglaterra-2018.

Em fevereiro de 2011, em depoimento em uma comissão do Parlamento inglês, lorde Triesman não poupou críticas à FA, que acusou de não ter governança sobre o futebol inglês, deixando sua administração nas mãos da Premier League. Em maio de 2010, ele foi gravado comentando sobre tentativas de suborno das federações espanhola e russa a árbitros durante a Copa de 2010. As acusações de corrupção de membros da Fifa foram feitas em outra comissão de inquérito parlamentar, em maio de 2011.

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