Por Tati Melin
Para alguns, um estilo de vida, para outros, um fenômeno que resulta na aparição de um novo sujeito social, mas, para a maioria da sociedade, torcedor organizado é visto com hostilidade e classificado como vagabundo.
O hábito de assistir a jogos de futebol e externar a paixão por um clube data do final do século XIX. No Brasil, considerado o país do futebol, essa paixão se desenvolveu de diversas maneiras. A torcida organizada é uma delas. Segundo o doutor em ciência social, Luiz Henrique de Toledo, em seu livro Torcidas Organizadas de Futebol, “torcida organizada não foi criada para bater, antes disso, contudo, nasceu de uma necessidade sentida por alguns de ocuparem um espaço político até então não reivindicado enquanto torcedores comuns”.
A relação de sociabilidade estabelecida pelo futebol impõe uma série de fatores inevitáveis nesse jogo de diferenças, tais como, preferências, paixões, excessos, conflitos, violência, e, ao mesmo tempo, a afirmação diante do outro. De acordo com Toledo, “estas são características das sociedades modernas ocidentais, de mercado, assentadas no parâmetro da individualidade”.
Em 1995, após a batalha campal ocorrida no Pacaembu, entre torcedores do São Paulo e Palmeiras, segundo o Coronel Marinho, atual Presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol, “houve assim um maior controle sobre as torcidas organizadas através da Secretária de Segurança Pública, Ministério Público e da Justiça, sabendo quem eram seus associados e cadastrando pessoas”.
De acordo com o sociólogo Carlos Pimenta, em seu artigo sobre violência urbana, “a violência entre torcidas organizadas não está desarticulada dos aspectos político, econômico e sociocultural”. Porém, não é esse o entendimento que muitos na sociedade possuem, principalmente devido à cobertura da imprensa que, segundo Toledo, “realimentam a violência na forma de espetáculo”.
Na avaliação do Coronel Marinho, a imprensa contribui com o status de medo que a sociedade tem do futebol ao causar polêmicas desnecessárias, realizar matérias sensacionalistas e, até mesmo, na falta de compromisso em participar do debate e da ação para uma possível solução da violência relacionada ao futebol.
Dessa forma, medidas radicais e simplistas são sugeridas, como a extinção das torcidas organizadas, penalizações com mais violência, aumento dos ingressos, entre outras medidas. Wildner Rocha, conhecido como Pulguinha, liderança dos Gaviões da Fiel Movimento Rua São Jorge, afirma que é impossível ser simplista na pauta violência. “Precisamos debater a formação de nossa sociedade e nossos jovens, a organização do futebol e nossas políticas públicas. E nós, dos Gaviões da Fiel, não nos ausentamos do nosso compromisso e da nossa responsabilidade. Mas, assim como as torcidas organizadas possuem suas falhas e particularidades, os setores de organização do futebol e da segurança pública também possuem, sendo assim, devemos nos unir para repensar e corrigir esses problemas”, propõe.
Para Marco Aurélio Klein, ex-diretor de futebol e Coordenador da Comissão Paz no Esporte, “uma parte importante do problema de violência está na torcida organizada, mas, tratar as torcidas organizadas como a causa do problema dificulta com que se resolva a verdadeira causa que é a organização do espetáculo”.
Os principais estádios foram construídos na década de 20, 30 e 40, o que mostra a falta de estrutura pensada para abrigar e atender todas as necessidades de hoje.
Desde a compra do ingresso na bilheteria até o fluxo de entrada e saída de torcedores, é tudo mal organizado, sendo possíveis fatores da causa de violência. “Não adianta botar polícia e brigar. A polícia, ao entrar em confronto, ela deixa de ser parte da solução para ser parte do problema”, afirma Marco Aurélio.
Contudo, no Brasil, as torcidas organizadas foram tão marginalizadas que não se incluía a torcida dentro de um contexto de debates que diz respeito diretamente a ela. “Para a instauração de uma cultura de paz, é necessário um trabalho conjunto, sem discriminação, que seja conduzido através de manutenções periódicas”, afirma Wildner. Heloisa Reis, socióloga da Unicamp, explica que “eles são conhecedores do assunto e possuem soluções efetivas para o problema colocado. A violência não é a totalidade e realidade das torcidas organizadas”.
Ser torcedor organizado reflete em práticas de sociabilidade e valores que vão além do comportamento em estádios de futebol. Segundo Toledo, “torcidas organizadas ditam um estilo de vida capaz de sociabilizar, através de uma mesma motivação, trabalhadores, burgueses, mauricinhos e malandros, pessoas da zona leste ou da zona sul, jovens e velhos, pessoas com opiniões políticas de esquerda e direita”.
Torcida organizada é, antes de tudo, o resultado de um sistema de relação que, além da organização, partilha de um estilo peculiar de externar e viver a paixão pelo futebol, o que resulta numa dimensão importante na vida de cada torcedor organizado que se dispõe a viver a torcida desta maneira e não de outra.
Como afirma Marco Aurélio, “o problema não é acabar ou não com a torcida organizada, até porque isso não é factível. Torcida organizada é uma verdade, ela existe e vai sempre existir. É trabalhar para que o conjunto de coisas seja melhor”.
Tati Melin
Estudante de Jornalismo
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