“O fracasso da guerra federal contra a “delinqüência organizada”, a jóia da coroa do governo de Felipe Calderón Hinojosa, não é um destino a lamentar para o Poder nos EUA: é a meta a conseguir.”
“A guerra do México de cima”, carta de Subcomandante Marcos a Luis Villoro
La Jornada Online
Publicado: 14/02/2011
Traduçao: Coletivo DAR
A guerra do México de cima
Subcomandante Insurgente Marcos
“Eu daria as boas vindas a quase qualquer guerra porque acredito que este país necessita de uma”
Theodore Roosevelt.
E agora nossa realidade nacional é invadida por uma guerra. Uma guerra que não só é distante para os que se acostumaram a vê-la em geografias ou calendários distantes, mas que também começa a governar as decisões e indecisões dos que pensaram que os conflitos bélicos estavam só nos noticiários e filmes de lugares tão distantes como… Iraque, Afeganistão… Chiapas.
E em todo México, graças ao patrocínio de Felipe Calderòn Hinojosa, não temos que recorrer à geografia do Oriente Médio para refletir criticamente sobre a guerra. Já não é necessário retomar o calendário até Vietnã, Praia Girón, sempre Palestina.
E não menciono a Chiapas e à guerra contra as comunidades indígenas zapatistas, porque já sabe que não estão na moda, (para isso o governo do estado de Chiapas tem gastado bastante dinheiro para conseguir que os meios de comunicação não o coloquem no horizonte da guerra, e sim dos “avanços” na produção de biodiesel, do “bom” trato aos migrantes, dos “êxitos” agrícolas e outros contos enganosos vendidos a conselhos de redação que assumem como próprios boletins governamentais pobres em redação e argumentos).
A irrupção da guerra na vida cotidiana do México atual não vem de uma insurreição, nem de movimentos independentistas ou revolucionários que disputam sua reedição no calendário 100 ou 200 anos depois. Vem, como todas as guerras de conquista, desde acima, desde o Poder. E esta guerra teme m Felipe Calderón Hinojosa seu iniciador e promotor institucional (e agora humilhante).
Que se posicionou na titularidade do executivo federal pela via de facto, e não se contentou com o respaldo midiático e teve que recorrer a algo mais para distrair a atenção e evadir o massivo questionamento a sua legitimidade: a guerra.
Quando Felipe Calderòn Hinojosa fez sua citação de Theodore Roosevelt (alguns atribuem a sentença a Henry Cabot Lodge) de que “este país necessita de uma guerra” recebeu a desconfiança medrosa dos empresários mexicanos, a entusiasta aprovação dos altos mandos militares e o aplauso efusivo de quem realmente manda: o capital estrangeiro.
A crítica desta catástrofe nacional chamada “guerra contra o crime organizado” deveria ser complementada com uma análise profunda de seus impulsionadores econômicos. Não só me refiro ao antigo axioma de que em épocas de crise e de guerra aumenta o consumo luxuoso. Tampouco somente aos sobre salários que recebem os militares (em Chiapas, os altos comandantes militares recebiam, ou recebem, um salário extra de 130% por estar em “zona de guerra”). Também haveria que buscar nas patentes, provedores e créditos internacionais que não estão na chamada “Iniciativa Mérida”.
Se a guerra de Felipe Calderòn Hinojosa (ainda que se há tratado, em vão, de endossar-la a todos os mexicanos) é um negócio (que é), falta responder às perguntas de para quem é o negócio, e que cifra monetária alcança.
Algumas estimativas econômicas
Não é pouco o que está em jogo:
(nota: as quantidades detalhadas não são exata das devido à ausência de claridade nos dados governamentais oficiais, pelo que em alguns casos se recorreu ao publicado no Diário Oficial da Federação e se completou com dados das dependências e à informação jornalística séria).
Nos primeiros quatro anos da “guerra contra o crime organizado” (2007-2010), as principias entidades governamentais encarregadas (Secretaria de Defesa Nacional – ou seja: exército e força aérea, Secretaria da Marinha, Procuradoria Geral da República e Secretaria de Segurança Pública) receberam do orçamento da federação quantidade superior a 366 bilhões de pesos (uns 30 bilhões de dólares no câmbio atual). As quatro dependências governamentais receberam: em 2007 mais de 71 bilhões de pesos, em 2008 mais de 80 bilhões de pesos, em 2009 mais de 113 bilhões e em 2010 foram mais de 102 bilhões de pesos. A isto há que somar-se os mais de 121 bilhões de pesos (uns 10 bilhões de dólares) que receberam neste ano de 2011.
Somente a Secretaria de Segurança Pública passou de receber uns 13 bilhões de pesos de orçamento em 2007, a manejar mais de 35 bilhões de pesos em 2011 (talvez porque as produções cinematográficas são mais custosas).
De acordo com o Terceiro Informe de Governo de setembro de 2009, no mês de junho deste ano as forças armadas federais contavam com 205.705 elementos.
Em 2009, o orçamento para a Defesa Nacional foi de 43 bilhões 623 milhões 321 mil e 860 pesos aos que se somaram 8 bilhões 762 milhões 315 mil 960 pesos (25,14% mais), no total: mais de 52 bilhões de pesos para o Exército e Força Aérea. A Secretaria da Marinha: mais de 16 bilhões de pesos, Segurança Pública, quase 33 bilhões de pesos e Procuradoria Geral da República: mais de 12 bilhões de pesos.
Total de orçamento para a “guerra contra o crime organizado” em 2009: mais de 113 bilhões de pesos.
No ano de 2010, um soldado federal raso ganhava uns 46.380 pesos anuais, um general divisionário recebia 1 milhão 603 mil e 80 pesos por ano, e o Secretario da Defesa Nacional recebia anualmente 1 milhão 859 mil 712 pesos.
Se as matemáticas não me falham, com o orçamento bélico total de 2009 (113 bilhões de pesos para as quatro dependências) se poderia pagar os salários anuais de 2 milhões e meio de soldados rasos, ou de 70 mil e 500 generais de divisão, ou de 60 mil e 700 titulares da Secretaria de Defesa Nacional.
Mas, obviamente, nem tudo que se dedica no orçamento vai para salários e pagamentos. Necessita-se de armas, equipamentos, munições… porque as que se tem já não servem ou são obsoletas.
“Se o Exército mexicano entrar em combate com seus pouco mais de 150 mil armas e seus 331,3 milhões de cartuchos contra algum inimigo interno ou externo, seu poder de fogo só alcançaria para cerca de 12 dias de combate contínuo, assinalam estimativas do Estado Maior da Defesa Nacional elaboradas por cada uma das armas do Exército e da Força Aérea. Segundo as previsões, o fogo de artilharia de canhoes de 105 milímetros alcançaria, por exemplo, para combater somente por 55 dias disparando de maneira contínua as 15 granadas para tal arma. As unidades blindadas, segundo a análise, têm 2 mil 662 granadas de 75 milímetros.
De entrar em combate, as tropas blindadas gastariam todos seus cartuchos em nove dias. Quanto à Força Aérea, se assinala que existem pouco mais de 1,7 milhões de cartuchos calibre 7.62mm que são empregados pelos aviões PC-7 e PC-9, e pelos helicópteros Bell 212 e MD-530. Em um enfrentamento, estes 1,7 milhões de cartuchos se esgotariam em cinco dias de fogo aéreo, segundo os cálculos. A dependência governamental adverte que os 594 equipamentos de visão noturna e os 3 mil 95 GPSs usados pelas Forças Especiais para combater aos cartéis de drogas “já cumpriram seu tempo de serviço”.
As carências e o desgaste nas fileiras do Exército e da Força Aérea são patentes e alcançam níveis inimaginados em praticamente todas as aéreas operativas da instituição. Na análise da Defesa Nacional se assinala que os “goggles” de visão noturna e os GPSs têm entre cinco e treze anos de idade, e “já cumpriram seu tempo de serviço”. O mesmo ocorre com os “150 mil 392 capacetes antifragmentos” que usam as tropas. 70% deles cumpriu sua vida útil em 2008, e os 41 mil 160 coletes a prova de balas o farão em 2009 (…)
Neste panorama, a Força Aérea resulta no setor mais golpeado pelo atraso e dependências tecnológicos em relação ao estrangeiro, em especial dos Estados Unidos e Israel. Segundo dados da análise, os depósitos de armas da Força Aérea têm 753 bombas de 250 a mil libras cada uma. Os aviões F-5 e PC-7 Pilatus usam essas armas. As 753 existentes alcançam para combater ar-terra por um dia. As 87 mil 740 granadas calibre 20 mm para jatos F-5 alcançam para combater a inimigos externos ou internos por seis dias. Finalmente, a análise revela que os mísseis ar-ar para os aviões f-5 são apenas 45 peças, o que representa unicamente um dia de fogo aéreo.”
Jorge Alejandro Medellín em “El Universal”, México, 02 de janeiro de 2009.
Isso se conheceu em 2009, 2 anos depois do início da chamada “guerra” do governo federal. Deixemos de lado a pergunta óbvia de como foi possível que o chefe supremo das forças armadas, Felipe Calderón Hinojosa, se lançou a uma guerra (“de largo fôlego”, diz ele) sem ter as condições materiais mínimas sequer para mante-la, não digamos nem para ganhá-la. Então perguntemos: que indústrias bélicas se vão beneficiar com as compras de armamento, equipamentos e parque?
Se o principal promotor desta guerra é o império das listras e das estrelas (fazendo contas, na realidade as únicas felicitações que recebeu Felipe Calderón Hinojosa vieram do governo norte-americano), não há que perder de vista que ao norte do Rio Bravo não se outorgam ajudas, mas sim que se fazem investimentos, ou seja, negócios.
Vitórias e derrotas *
Ganham os Estados Unidos com esta guerra “local”? A resposta é: sim. Deixando de lado os ganhos econômicos e a inversão monetária em armas, parque e equipamentos (não esqueçamos que USA é o principal provedor de todo isto aos dois lados do conflito: autoridades e “delinqüentes” – a “guerra contra a delinqüência organizada” é um negócio perfeito para a indústria militar norte-americana), como resultado desta guerra vemos destruição/ despovoamento e reconstrução/ reordenamento geopolítico que os favorecem.
Esta guerra (que está perdida para o governo desde que se concebeu, não como uma solução a um problema de insegurança e sim a um problema de legitimidade questionada), está destruindo o último reduto que resta a uma nação: o tecido social.
Que melhor guerra para os Estados Unidos do que uma que lhes outorgue lucros, território e controle político e militar sem os incômodos sacos de corpos e os feridos de guerra que lhes chegaram, antes, do Vietnã e chegam agora do Iraque e do Afeganistão?
As revelações do Wikileaks sobre as opiniões do alto comando norte-americano acerca das “deficiências” do aparato repressivo mexicano (sua ineficácia e sua conivência com a delinqüência), não são novas. Não só no senso comum popular mas também nas altas esferas do governo e do Poder no México isso é uma certeza. A piada de que é uma guerra desigual porque o crime organizado sim está organizado e o governo mexicano está desorganizado é a mais pura verdade.
Em 11 de dezembro de 2006 se iniciou formalmente esta guerra com o então chamado “Operativo Conjunto Michoacán”. 7 mil elementos do Exército, da marinha e das polícias federais lançaram uma ofensiva (conhecida popularmente como “o michoacanaço”) que, passada a euforia mediática daqueles dias, resultou num fracasso. O mando militar foi do general Manuel García Riuz e o responsável do operativo foi Gerardo Garay Cadena da Secretaria de Segurança Pública. Hoje, e desde dezembro de 2008, Gerardo Garay Cadena está preso no presídio de segurança máxima de Tepic, Nayarit, acusado de conluio com “El Chapo” Guzmàn Loera.
E a cada passo que se dá nesta guerra se torna mais difícil para o governo federal explicar onde está o inimigo a ser vencido.
Jorge Alejandro Medellín é um jornalista que colabora com vários meios informativos – a revista Contralínea, o semanário Acentoventiuno”, o portal de notícias Eje Central, entre outros – e se especializou nos temas de militarismo, forças armadas, segurança nacional e narcotráfico. Em outubro de 2010 recebeu ameaças de morte por um artigo onde assinalou possíveis ligações do narcotráfico com o general Felipe de Jesús Espitia, ex comandante da V Zona Militar e ex chefe da Seção Sétima Operações Contra o Narcotráfico no governo de Vincent Fox, e responsável pelo Museu del Envervante, localizado nos escritórios da S-7. O general foi removido como comandante da V Zona Militar ante o estrepitoso fracasso dos operativos ordenados por ele em Ciudad Juárez e pela pobre resposta que deu aos massacres cometidos na cidade fronteiriça.
Mas o fracasso da guerra federal contra a “delinqüência organizada”, a jóia da coroa do governo de Felipe Calderón Hinojosa, não é um destino a lamentar para o Poder nos EUA: é a meta a conseguir.
Por mais que se esforcem os meios massivos de comunicação em apresentar rotundas vitórias da legalidade, as escaramuças que todos os dias se dão no território nacional, não conseguem convencer. E não só porque os meios massivos de comunicação foram substituídos pelas formas de intercambio de informação de grande parte da população (não só, mas também as redes sociais e a telefonia celular) também, e sobretudo, porque o tom da propaganda governamental passou da tentativa de engano a tentativa de chacota (desde o “ainda que não pareça estamos ganhando” até o de “uma minoria ridícula”, passando pelas bravatas de bar do funcionário em turno).
Sobre esta outra derrota da imprensa, escrita e de rádio e de televisão, voltarei a tratar em outra missiva. Por agora, e a respeito do tema que agora nos ocupa, basta recordar que o “não está acontecendo nada em Tamaulipas” que era apregoado pelas notícias (marcadamente de rádio e televisão) foi derrotado pelos vídeos feitos por cidadãos com celulares e câmeras portáteis e difundidos pela Internet.
Mas voltemos à guerra que, segundo Felipe Calderón Hinojosa ele nunca disse que é uma guerra. Não disse, não é mesmo?
“Vejamos se é guerra ou não é guerra: em 5 de dezembro de 2006, Felipe Calderón disse: “Trabalhamos para ganhar a guerra da delinqüência”. Em 20 de dezembro de 2007, durante um café da manha com a marinha, o senhor Calderón utilizou em até quatro ocasiões em um só discurso o termo guerra. Disse: “A sociedade reconhece de maneira especial o importante papel de nossos marinheiros na guerra que meu governo encabeça contra a insegurança.”, “A lealdade e a eficácia das Forças Armadas são uma das mais poderosas armas na guerra que lutamos contra ela”, ªAo iniciar esta guerra frontal contra a delinqüência assinalei que esta seria uma luta de largo fôlego”, “assim são, precisamente, as guerras”. Mas há ainda mais: em 12 de setembro de 2008 durante a Cerimônia de Fechamento e Abertura de Cursos do Sistema Educativo Militar, o auto-intitulado “Presidente do emprego” se deixou voar pronunciando até meia dúzia de vezes o termo guerra contra o crime: “Hoje nosso país luta uma guerra muito diferente da que enfrentaram os insurgentes em 1810, uma guerra distinta a que enfrentaram os cadetes do Colégio Militar 161 anos atrás”… “todos os mexicanos de nossa geração temos o dever de declarar guerra aos inimigos do México… Por isso esta é uma guerra contra a delinqüência”… “É imprescindível que todos os que nos somamos a esta frente comum passemos da palavra aos ato e que declaremos, verdadeiramente, guerra aos inimigos do México”… “estou convencido de que vamos ganhar esta guerra”… (…”(Alberto Vieyra Gómez. Agencia Mexicana de Noticias, 27 de Janeiro de 2011).
Ao contradizer-se, aproveitando o calendário, Felipe Calderón Hinojosa não se emenda nem se corrige conceitualmente. Não, o que ocorre é que as guerras se ganham ou se perdem (neste caso, se perdem) e o governo federal não quer recordar que o ponto principal de sua gestão fracassou militar e politicamente.
Guerra sem fim? A diferença entre a realidade… e o videogame
Frente ao fracasso inegável de sua política guerreira Felipe Calderón Hinojosa vai mudar de estratégia?
A resposta é NAO. E não só porque a guerra de cima é um negócio e, como qualquer negócio, se mantém enquanto siga produzindo lucro.
Felipe Calderón Hinojosa, o comandante em chefe das forças armadas; o fervoroso admirador de José María Aznar; o autodenominado “filho desobediente”; o amigo de Antonio Solá; o ganhador da presidência por meio ponto percentual da votação emitida graças a alquimia de Elba Esther Gordillo; o dos arroubos autoritários mais próximos da birra (“ou descem ou mando buscá-los”); o que quer tapar com mais sangue o caso das crianças assassinadas na Creche ABC, en Hermosillo; o que acompanhou sua guerra militar com uma guerra contra o trabalho digno e o salário justo; o de calculado autismo frente aos assassinatos de Marisela Escobedo e Susana Chávez Castillo; o que reparte etiquetas mortuárias de “membros do crime organizado” aos meninos e meninas, homens e mulheres que foram e são assassinados porque sim, porque aconteceu de estarem no calendário e na geografia errados, e não alcançam sequer serem nomeados porque ninguém os leva em conta, nem a imprensa nem as redes sociais.
Ele, Felipe Calderón Hinojosa, é também um fã dos videogames de estratégia militar.
Felipe Calderón Hinojosa é o “gamer” “ que em quatro anos converteu o país em uma versão mundana de The Age of Empire, seu videogame preferido, (…) um amante e mal estrategista da guerra (Diego Osorno em “Milenio Diario”, 3 de outubro de 2010).
É ele que nos leva a perguntar: o México está sendo governado ao estilo de um videogame? (creio que posso fazer esse tipo de perguntas comprometedoras sem risco a que me despeçam por faltar a um “código de ética” que se rege pela publicidade paga).
Felipe Calderón Hinojosa não se deterá. E não só porque as forças armadas não permitirão (os negócios são negócios), também pela obstinação que caracterizou a vida política do “comandante em chefe” das forças armadas mexicanas.
Usemos um pouco a memória: em março de 2001, quando Felipe Calderón Hinojosa era o coordenador parlamentário dos deputados federais da Ação Nacional se deu aquele lamentável espetáculo do Partido da Ação Nacional quando se negou a que uma delegação indígena conjunta do Congresso Nacional Indígena e do EZLN fizessem uso da tribuna do Congresso da União na ocasião da chamada “marcha da cor da terra”.
A pesar de que estava mostrando ao PAN como uma organização política racista e intolerante (e o é) por negar aos indígenas o direito de serem escutados, Felipe Calderòn Hinojosa se manteve em sua negativa. Todos lhe diziam que era um erro assumir essa posição, mas o então coordenador dos deputados panistas não cedeu (E terminou escondido, junto com Diego Fernandéz Cevallos e outros ilustres panistas, em um dos salões privados da câmara, vendo pela televisão aos indígenas fazerem uso da palavra em um espaço que a classe política reserva para seus teatrinhos.
“Sem importar os custos políticos”, haveria dito então Felipe Calderón Hinojosa.
Agora diz o mesmo, ainda que hoje não se trate de custos políticos que assuma um partido político e sim de custos humanos que paga o país inteiro por essa teimosia.
Estando já por terminar esta missiva, encontrei das declarações da secretária de segurança interior dos EUA, Janet Napolitano, especulando sobre as possíveis alianças entre Al Qaeda e os cartéis mexicanos da droga. Um dia antes, o subsecretário do Exército dos Estados Unidos, Joseph Westphal, declarou que no México há uma forma de insurgência encabeçada pelos cartéis da droga que potencialmente poderiam tomar o governo, o que implicaria em uma resposta militar estadunidense. Agregou que não desejava ver uma situação onde os soldados estadunidenses fossem enviados a combate uma insurgência “sobre nossa fronteira… ou ter que enviá-los a cruzar essa fronteira” até o México. Enquanto isso, Felipe Calderón Hinjosa assistia a um simulacro de resgate em um povoado de Chihuahua e subiu a um avião de combate F-5, se sentou no assento do piloto e brincou com um “disparem mísseis”.
Dos videogames de estratégia aos “simuladores de combate aéreo” e “disparos em primeira pessoa”? De Age of Empires ao HAWX?
O HAWX é um videogame de combate aéreo onde, em um futuro próximo, as empresas militares privadas (“Private military company”) substituíram os exércitos governamentais em vários países. A primeira missão do videogame consiste em bombardear Ciudad Juarez, Chihuahua, México, porque as “forças rebeldes” se apoderaram da praça e ameaçam avançar a território norte-americano.
Não no videogame mas sim no Iraque, uma das empresas privadas contratadas pelo Departamento de Estado norte-americano e pela CIA foi “Blackwater USA”, que depois mudou seu nome para “Blackwater Worldwide”. Seu pessoal cometeu sérios abusos no Iraque, incluindo o assassinato de civis. Agora mudou seu nome para “Xe Services LL” e é o maior contratista de segurança privada do Departamento de Estado norte-americano. Ao menos 90% de seus lucros provém de contratos com o governo dos Estados Unidos.
No mesmo dia em que Felipe Calderón Hinojosa brincava no avião de combate (10 de fevereiro de 2011), no estado de Chihuahua uma criança de 8 anos morreu ao ser atingida por uma bala em uma tiroteio entre pessoas armadas e membros do exército.
Quando vai terminar essa guerra?
Quando aparecerá na tela do governo federal o “game over” do fim de jogo, seguido dos créditos dos produtores e patrocinadores da guerra?
Quando Felipe Calderón poderá dizer “ganhamos a guerra, impusemos nossa vontade ao inimigo, destruímos sua capacidade material e moral de combate, (re) conquistamos os territórios que estavam em seu poder”?
Desde que foi concebida, essa guerra não tem final e também está perdida.
Não haverá um vencedor mexicano nestas terras (à diferença do governo, o Poder estrangeiro sim tem um plano para reconstruir – reordenar o território), e o derrotado será o último canto do agônico Estado Nacional Mexicano: as relações sociais que, dando identidade comum, são a base de uma Nação.
Ainda antes do suposto final, o tecido social estará rompido por completo.
Resultados: a Guerra de cima e a morte de abaixo
Vejamos o que informa o Secretário de Governo federal sobre a “não guerra” de Felipe Calderón Hinojosa:
“2010 foi o ano mais violento do sexênio ao acumular 15 mil 273 homicídios vinculados ao crime organizado, 58% mais do que os 9 mil 614 registrados durante 2009, de acordo com a estadística difundida nesta quarta pelo Governo Federal. De dezembro de 2006 ao final de 2010 se contabilizaram 34 mil 612 crimes, dos quais 30 mil 913 são casos classificados como “execuções”; 3 mil 153 são denominados como “enfrentamentos” e 544 estão no apartado “homicidios-agressoes”.
Alejandro Poiré, secretario técnico do Conselho de Segurança Nacional, apresentou uma base de dados oficial elaborada por especialistas que mostrará a partir de agora “informação desagregada mensal, a nível estadual e municipal” sobre a violência de todo o país”.
(“Vanguardia”, Coahuila, México, 13 de Janeiro de 2011)
Perguntemos: destes 34 mil 612 assassinados, quantos eram delinqüentes? E as mais de mil crianças assassinadas (que o Secretário de Governo “esqueceu” de destacar em sua conta), também eram “sicários” do crime organizado? Quando o governo federal proclama que “estamos ganhando” a que cartel de droga se referem? Quantas dezenas de milhares formam parte desta “ridícula minoria” que é o inimigo a vencer?
Enquanto lá em cima tratam inutilmente de desdramatizar em estadísticas os crimes que sua guerra provocou, é preciso assinalar que também se está destruindo o tecido social em quase todo o território nacional.
A identidade coletiva da Nação está sendo destruída e está sendo suplantada por outra.
Porque “uma identidade coletiva não é mais que uma imagem que um povo forja de si mesmo para reconhecer-se como pertencente a este povo. Identidade coletiva são aqueles traços em que um indivíduo se reconhece como pertencente a uma comunidade. E a comunidade aceita este indivíduo como parte dela. Esta imagem que o povo se forja não é necessariamente a perduração de uma imagem tradicional herdada, e sim geralmente quem a forja é o indivíduo enquanto pertencente a uma cultura, para fazer consistente seu passado e sua vida atual com os projetos que tem para essa comunidade. Então, a identidade não é um simples legado que se herda, e sim uma imagem que se constrói, que cada povo cria, e por tanto é variável e cambiante segundo as circunstâncias históricas”.
(Luis Villoro, noviembre de 1999, entrevista com Bertold Bernreuter, Aachen, Alemania).
Na identidade coletiva de boa parte do território nacional não está, como nos querem fazer acreditar, a disputa entre o espírito pátrio e o narco-corrido (se não se apóia o governo então se apóia à delinqüência e vice-versa).
Não.
O que há é uma imposição, pela força das armas, do medo como imagem coletiva, da incerteza e da vulnerabilidade como espelhos em que estes coletivos se refletem.
Que relações sociais se podem mantém ou tecer se o medo é a imagem dominante com a qual se pode identificar um grupo social, se o sentido de comunidade se rompe ao grito de “salve-se quem puder”?
Desta guerra não só vão resultar milhares de mortos… e enormes ganhos econômicos.
Também, e sobretudo, vai resultar uma nação destruída, rota irremediavelmente.
(…)
Vale, Don Luis. Saúde e que a reflexão crítica anime novos passos.
Desde as montanhas do sudeste mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, Janeiro-Fevereiro de 2011
SOBRE AS GUERRAS. Segunda parte da carta primeira do SupMarcos a Don Luis Villoro, no início de um intercâmbio epistolar sobre ética e política.
Parte 2 das 4 que conformam a carta primeira, que aparecerá completa no próximo número da Revista Rebeldia.
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