segunda-feira, 19 de julho de 2010

A hipnose corinthiana

Por Xico Sá

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, ainda na terça, os feirantes aqui da Pompeia já anunciavam nos seus pregões: o futebol de verdade voltou, o Timão voltou… Tricolores e o bananeiro santista reagiam também com seus berros clubísticos.

A velha testosterona-roots estava de volta, sepultando quaisquer vestígios da Copa do Mundo. O futebol de time devolve o homem ao seu devido lugar, ao seu faroeste particularíssimo.

Mas o pentecostes da feira era só um esboço diante do retrato passional em preto e branco que veria anteontem no Baixo Augusta.

No meio do espetáculo que é a juventude roqueira, um cavaleiro solitário, rosto só vincos como um Samuel Beckett dos pobres, ajeitou os poucos cabelos, pediu uma cerveja, grudou o nariz na TV que parecia uma caixa de fósforo, de tão pequena, e dali por diante não conseguia enxergar nem mesmo a Karine com suas pernas de oncinha.

Foi neste momento solene que o cronista que ronda a cidade pensou mais uma vez: como SP precisa do Corinthians em campo. O tio ficou hipnotizado por 90 minutos diante da volta do seu time.

E não se tratava de um torcedor barulhento. É um daqueles fundamentalistas silenciosos. Sabe aquele cara que celebra ou morre por dentro sem alterar as feições?

No máximo, ele mexia um pouco com a perna esquerda, como se ajudasse a bola a correr mais depressa para o gol. Coisa de quem manja da arte da sinuca.

Um sábio. Essa história do centenário sem Libertadores, vê-se pelos seus gestos, não significa nada. Não trabalha com obsessões nem morte a crédito. Só um pouco de dinheiro vivo.

O cavaleiro solitário me confessaria depois da partida: “Essa molecada não sabe o que é o Corinthians. Ser Corinthians não significa ganhar. Basta existir. Pronto”.”

No boteco do Bahia, temperatura de uns 12C e sensação térmica de 40C -graças à beleza das moças que provoca o ilusório aquecimento das nossas pobres almas-, só o Beckett se ligava no jogo. Alguns rapazes até miravam a TV de olho no placar e teciam infelizes comentários.

O nosso Beckett me diria, safo: “Se você me pergunta, apressadamente, qual foi o resultado, juro que não sei. O que vale é testemunhar o movimento alvinegro em campo, é um ato religioso a que assisto como quem vê um culto ou uma missa de ressaca. Sabendo da importância da palavra, mas não entendendo direito o que se fala”.

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